Dra. Mariana Carné

Nos últimos anos, teve um aumento significante nas taxas de envelhecimento da população devido, entre outros motivos, à melhoria das condições de higiene - dietética e sanitária. Portanto, o médico se depara diariamente com o problema da velhice, tanto no consultório, quanto na curta ou longa internação.

Este capítulo revisa as ideias gerais que devem ser levadas em consideração ao consultar um idoso, uma vez que requerem uma apreciação diagnóstica e terapêutica mais ampla do que um paciente jovem. Na avaliação do idoso, deve-se adotar uma abordagem multidisciplinar, quantificando os problemas e habilidades funcionais, psicossociais e médicas do idoso, com o intuito de se chegar a um amplo plano de tratamento e acompanhamento em longo prazo.

A velhice não é uma doença, mas as características específicas do idoso levam a uma maior morbidade. O envelhecimento produz uma série de mudanças físicas e psicológicas que dificultam essa fase da vida. Três tipos de fatores estão inter-relacionados na gênese dessas mudanças. O primeiro é consequência de mudanças fisiológicas que não ocorrem de forma sincronizada. O segundo fator é formado pela soma das doenças agudas e crônicas que vão deixando sua marca ao longo do tempo. E o terceiro deriva do impacto que eventos ambientais e psicossociais têm sobre o indivíduo.

Depois dos 60 anos, a frequência cardíaca dobra, e depois dos 80 esse número triplica. Isso nos permite considerar a deficiência física, mental e social do idoso, uma das grandes epidemias que o planeta terá que enfrentar nos próximos anos.

A medicina geriátrica implica no conhecimento de uma série de características dessa população, que devem ser conhecidas para prestar uma assistência de qualidade:

  • Constitui um grupo muito heterogêneo, há uma importante variabilidade individual porque cada indivíduo envelhece de maneira diferente, que resulta da interação dos intrínseco e extrínseco fatores que estão relacionados aos aspectos sociais, econômicos, culturais e ambientais.
  • Algumas doenças apresentam-se de forma diferente do que em adultos de meia-idade.
  • A pluri patologia é frequente, o que geralmente condiciona a poli farmácia com risco de iatrogenia.
  • A prevalência de doenças degenerativas e crônicas aumenta com o aumento da idade.
  • Quando demandam cuidadores, sua sobrecarga pode gerar maus-tratos ou institucionalização inadequada que deve ser detectada a tempo.
  • Implica maior uso de recursos de saúde e sociais.
  • Maior necessidade de reabilitação.
  • Os problemas de saúde neste grupo correspondem a causas múltiplas e requerem uma abordagem multidisciplinar, o que difere do modelo clínico tradicional.
  • Muitas vezes ele se depara com situações que geram verdadeiros dilemas éticos.
  • O indivíduo pode consultar tardiamente por considerar os problemas de saúde específicos da idade.
  • O tratamento costuma focar na recuperação da função.

As alterações anátomo fisiológicas que ocorrem durante o processo de envelhecimento são:

Pele e fâneros cutâneos: a pele perde seus tecidos elásticos, torna-se mais pálida e perde turgidez. Aparecem rugas. A pele das costas da mão fica fria, brilhante e frágil. Apresentam manchas roxas (púrpura senil) devido à ruptura dos vasos devido à fragilidade dos capilares e manchas pigmentares (lentigos senis). O adenoma sebáceo senil, pode ser visto na face, é amarelado, plano, deprimido no centro, 2 a 3 mm. de diâmetro. Os nevos rubis aparecem no tronco e abdômen.

O cabelo perde a cor usual e aparecem cabelos grisalhos. A perda disso é mais marcada no homem. Após os 25 anos, a linha do implante começa a diminuir, alargando a testa. Perdem-se pelos corporais, axilares e púbicos; cabelos podem aparecer no lábio superior da mulher

Olhos, nariz e orelhas: os olhos tendem a afundar nas órbitas à medida que o tecido adiposo que reveste o globo ocular se atrofia. Em alguns pacientes, aparece ectrópio (inversão da pálpebra inferior) ou ectrópio (reversão da pálpebra inferior), que produz lacrimejamento. A isso se soma a má drenagem dos ductos lacrimo nasal pelo enfraquecimento dos tecidos.

O arco senil ou gerontoxo é um achado frequente, devido ao depósito de colesterol e fosfolipídios, isso faz com que o brilho normal da córnea se perca e vemos um anel esbranquiçado dentro do limbo. A resposta à luz fica mais lenta. As lentes ficam cinzentas à luz da lanterna. O desenvolvimento de cataratas e o aparecimento de glaucoma são frequentes. Diminui a elasticidade das lentes, com perda de visão de perto ou presbiopia.

Uma redução no brilho natural é observada no fundo com o ajuste fino das arteríolas. Também podem ser vistos corpos coloides, redondos e brancos amarelados, do tamanho de uma cabeça de alfinete.

Uma diminuição na audição ou perda auditiva pode ser detectada após os 55 anos, especialmente em sons agudos.

Os dentes são perdidos devido ao enfraquecimento do suporte fornecido pela gengiva.

Peito: com o passar dos anos a curvatura normal da coluna vertebral é acentuada, devido à deterioração e osteoporose. Pode ocorrer ruptura dos corpos vertebrais em sua face anterior, sendo mais frequente em mulheres com osteoporose pós-menopausa, o que leva a uma diminuição progressiva da capacidade respiratória vital. O tórax se alarga em sua base e em seu eixo anteroposterior e sua elasticidade é reduzida. Os sons respiratórios diminuem de intensidade.

O impulso ventricular esquerdo torna-se mais difícil de palpar. O segundo ruído perde intensidade em seu componente pulmonar e não é fácil auscultar a divisão fisiológica. O nódulo sinusal diminui as células excitáveis ​devido à deposição de gordura e tecidos elásticos, o que reduz a frequência cardíaca e pode predispor a arritmias. Murmúrios podem aparecer nos vasos do pescoço devido à deposição de placas de colesterol ou ateromas.

A pressão sistólica aumenta com a idade, devido ao endurecimento dos vasos ou aterosclerose. A pressão deve ser medida na posição sentada e em pé, pois não é incomum observar queda significativa da pressão arterial com a mudança de posição, hipotensão ortostática. Isso pode se manifestar nas mudanças de decúbito, e é importante na avaliação do paciente que vai para a cirurgia, pois pode surgir hipotensão devido às técnicas anestésicas. O fenômeno se deve a uma menor resposta dos barorreceptores com a idade.

Mamas: os tecidos elásticos e gordurosos são reduzidos, com perda de sustentação da musculatura torácica, assumem a forma pendular e enrugada.

Abdômen: a parede muscular é afrouxada e o abdômen torna-se plano e pendurado para os lados. A aorta deve ser palpada para investigar aneurismas e ouvir sopros.

Pelve: os pelos pubianos tornam-se finos e perdem a pigmentação e a ondulação; o pênis diminui de tamanho e os testículos ficam pendurados na parte inferior do escroto.

Nas mulheres, devido à falta de estimulação hormonal, o clitóris e os pequenos lábios estão reduzidos. A vagina diminui de tamanho e sua mucosa torna-se pálida e fina, tornando o exame ginecológico às vezes difícil. Hérnias inguinais e femorais podem aparecer.

Sistema hoste articular: os músculos perdem o alívio; os tendões são mais visíveis, especialmente no dorso da mão; diminuição da mobilidade articular; e há alterações devido à osteoartrite. Durante o movimento articular, pequenos sobressaltos e flexões podem ser sentidos.

Sistema nervoso: aparece o tremor senil estático e dinâmico. Os reflexos são normais, podem diminuir a pele abdominal. Observa-se atrofia cerebral, que pode não se manifestar clinicamente e, outras vezes, é acompanhada de deterioração das funções superiores, com aparecimento de demência senil.

O desconhecimento desse conhecimento pode ter consequências perigosas, uma vez que as alterações relacionadas à idade podem ser erroneamente atribuídas a uma doença, o que pode gerar intervenções ineficazes e prejudiciais; também a doença pode ser tomada como envelhecimento normal e ser negligenciada; em outros casos, o médico foge dos idosos que têm vários problemas com componentes relacionados à idade e à doença.

O médico deve ser colocado no contexto do idoso; conhecer e compreender suas limitações ao estabelecer comunicação com ele, a fim de alcançar um melhor entendimento. O idoso precisa de bastante tempo no interrogatório, dedicado a ouvi-lo; bem como paciência para repetir os pontos de vista e as indicações. A anamnese deve ser detalhada, com coleta de dados na clínica e também deve fornecer informações para fazer a avaliação funcional do idoso. A família desempenha um papel muito importante no fornecimento de dados; mas em muitos casos o desvaloriza ou o isola por considerá-lo um fardo ou pela falta de tempo para atendê-lo.